O romance histórico El mundo alucinante (1966) foi escrito pelo cubano Reinaldo
Arenas (1943-1990) e nessa obra é narrada a trajetória do frei mexicano José Servando Teresa
de Mier Noriega y Guerra (1763-1827), que lutou pela libertação das colônias americanas do
jugo da metrópole espanhola. Foi perseguido pela Inquisição, quando discursou sobre a
aparição da Virgem de Guadalupe no México e declarou ser desnecessária a intervenção de
espanhóis na América, uma vez que seus habitantes já eram cristãos antes de sua chegada. O
frei foi condenado à prisão e sua vida foi marcada por inumeráveis fugas e pela peregrinação
em vários países como França, Inglaterra, Estados Unidos, dentre outros. O livro de Arenas
reconstrói a imagem de frei Servando como uma das figuras mais emblemáticas da história
literária e política da América Latina.
No romance, o propósito de Reinaldo Arenas, ao recontar a história de frei Servando, é
delineado logo no prefácio, em forma de solilóquio: “Estás, querido Servando, como lo que
eres: una de las figuras más importantes (y desgraciadamente casi desconocida) de la historia
literaria y política de América” (Arenas, 1997, p. 24). A narrativa ficcional apresenta, pois, um
caráter eminentemente reivindicatório e assume as tarefas de destacar e valorizar a ação de
Servando Teresa de Mier. Ainda no prefácio, Arenas acentua a importância capital do homem
para a história ao afirmar que “el hombre es, en fin, la metáfora de la Historia, aun cuando,
aparentemente intente modificarla y, según algunos, lo haga” (Arenas, 1997, p. 19). Na opinião
de Arenas, homens como Servando Teresa de Mier são tributários de reconhecimento histórico,
razão pela qual seu romance efetua o resgate do frei dominicano e propõe a sua retomada, agora
instalado e plasmado num novo patamar, numa nova condição – a de herói romanesco.
A ficção procura “corrigir”, poderíamos dizer, a visão da figura histórica e, por meio da
paródia e da intertextualidade, da utilização da categoria do real maravilhoso e do emprego de
três narradores distintos, fazer-lhe justiça, tirando-o de sua posição periférica e trazendo-o para
uma posição central, quando o eleva à categoria de protagonista e revaloriza a sua luta pela
causa independentista. Procura, além disso, “humanizá-lo”, mostrá-lo como homem obstinado,
íntegro, que não se deixa corromper, e acima de tudo, tão relevante ou até mais que o próprio
Simon Bolívar, considerado como o “Libertador da América”.
Como se sabe, a ficção pode recriar a história, revalorizar personagens esquecidos e
“invadir” outras áreas do conhecimento (como a psicologia, a antropologia, a geografia, por
exemplo) porque, segundo Roland Barthes (1978, p. 18-19),
a literatura assume muitos saberes [...] e faz girar os saberes, não fixa, não
fetichiza nenhum deles; ela lhes dá um lugar indireto, e esse indireto é
precioso. Por um lado, ele permite designar saberes possíveis - insuspeitos,
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Revista Coletivo Cine-Fórum – RECOCINE | v. 2 - n. 1 | jan-abr | 2024 | ISSN: 2966-0513 | Goiânia, Goiás