Revista Coletivo Cine-Fórum | v. 3 - n. 1 | jan-abr | 2025 | ISSN: 2966-0513 | DOI: 10.63418/rccf.v3i1.86  
Submetido em: 23/03/2025 Aceito em: 01/04/2025  
Betania Vasconcelos da  
MASCULINIDADES EM TENSÃO: DESAFIOS E RUPTURAS NOS  
Cruz  
CONTOS LA VITROLA E VER PARA CRER  
Mestrado em Letras pela  
UEMS (2019) e Doutorado  
em Estudos de Linguagens  
pela UFMT (2024). Integra  
o Grupo de Pesquisa  
SEMIC - Semióticas  
Contemporâneas.  
RESUMO  
Este artigo analisa as construções da masculinidade nos contos La vitrola (Josefina Plá,  
1953) e Ver para creer (Ángeles Mastretta, 2007), explorando o papel do homem na família  
e na sociedade, bem como as dinâmicas de gênero que permeiam essas narrativas. Ambos  
os textos apresentam diferentes representações da masculinidade, contrastando modelos  
tradicionais e opressores com figuras que desafiam normas estabelecidas. Em La vitrola, o  
protagonista Cepí, um jovem trabalhador, rompe com os padrões sociais ao se casar com  
Delpilar, uma mulher negra e mais velha. O casal enfrenta forte resistência da sociedade, e  
Cepí sofre intensa pressão para abandonar sua esposa, evidenciando o peso do preconceito  
e da discriminação. O conto aborda questões como racismo, etarismo e hipocrisia social, ao  
mesmo tempo que propõe uma visão alternativa da masculinidade, baseada no afeto e na  
resistência contra normas opressoras. Já em Ver para creer, a narrativa segue Paula, uma  
mulher que dedicou sua vida ao marido, um político egocêntrico que a troca por uma mulher  
mais jovem. Após diversas tentativas de suicídio, Paula se reinventa e se torna uma executiva  
bem-sucedida. O conto critica a masculinidade pautada no poder e na ausência de empatia,  
revelando a desigualdade de gênero presente nas relações afetivas e sociais. Como suporte  
teórico, utilizamos as obras e estudos de Carla Akotirene (2019), Gerda Lener (1990),  
Antonio Candido (2006), dentre outros. Dessa forma, o estudo evidencia como as autoras  
utilizam a interseccionalidade de gênero, classe e etnia para questionar concepções  
tradicionais de masculinidade e sugerir novas perspectivas sobre as relações de poder.  
Maria Elisa Rodrigues  
Moreira  
Doutora em Estudos  
Literários pela UFMG.  
Docente do PPG em  
Estudos de Linguagem da  
UFMT. Integra os Grupos  
de Pesquisa SEMIC -  
Semióticas  
Contemporâneas,  
Palavras-chave: Conto; Josefina Plá; Ángeles Mastretta; Interseccionalidade;  
Masculinidade.  
CRITICUM - Correntes  
críticas modernas e  
contemporâneas e é  
coordenadora do Grupo de  
Estudos Palomar -  
Diálogos com Italo  
Calvino. Publicou os  
seguintes livros: Coleção,  
arquivo, biblioteca: a  
literatura de Borges e  
Calvino (2019), Cruzando  
fronteiras: literatura,  
interartes, intermídia  
(2020), Intermídias,  
transmídias e estudos  
culturais (2021).  
MASCULINIDADES EN TENSIÓN: RETOS Y RUPTURAS EN LOS  
HISTORIOS LA VITROLA Y VER PARA CREER  
RESUMEN  
Este artículo analiza las construcciones de la masculinidad en los cuentos La vitrola (Josefina  
Plá, 1953) y Ver para creer (Ángeles Mastretta, 2007), explorando el papel del hombre en la  
familia y la sociedad, así como las dinámicas de género que atraviesan estas narrativas.  
Ambos textos presentan diferentes representaciones de la masculinidad, contrastando  
modelos tradicionales y opresivos con figuras que desafían las normas establecidas. En La  
vitrola, el protagonista Cepí, un joven trabajador, rompe con los estándares sociales al  
casarse con Delpilar, una mujer negra y mayor que él. La pareja enfrenta una fuerte  
resistencia por parte de la sociedad, y Cepí sufre una intensa presión para abandonarla, lo  
que evidencia el peso del prejuicio y la discriminación. El cuento aborda cuestiones como el  
racismo, el edadismo y la hipocresía social, al tiempo que propone una visión alternativa de  
la masculinidad basada en el afecto y en la resistencia a las normas opresivas. Por otro lado,  
en Ver para creer, la narrativa sigue a Paula, una mujer que dedicó su vida a su esposo, un  
político egocéntrico que la abandona por una mujer más joven. Tras varios intentos de  
suicidio, Paula logra reinventarse y convertirse en una ejecutiva exitosa. El cuento critica  
una masculinidad basada en el poder y la falta de empatía, evidenciando la desigualdad de  
género en las relaciones afectivas y sociales. Como apoyo teórico, se utilizan las obras y  
estudios de Carla Akotirene (2019), Gerda Lerner (1990), Antonio Candido (2006), entre  
otros. De este modo, el estudio muestra cómo las autoras emplean la interseccionalidad de  
género, clase y etnia para cuestionar las concepciones tradicionales de la masculinidad y  
proponer nuevas perspectivas sobre las relaciones de poder.  
Este artigo passou por  
avaliação por pares cega e  
software anti-plágio.  
Palabras clave: Cuento; Josefina Pla; Ángeles Mastretta; Interseccionalidad; Masculinidad.  
LICENÇA ATRIBUIÇÃO NÃO  
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CREATIVE COMMONS CC BY-NC  
REVISTA COLETIVO CINE -FÓRUM  
INTRODUÇÃO  
A escritora Josefina Plá, como um sujeito político, ativo e dinâmico (jornalista,  
contista, ceramista e ativista dos direitos humanos), reflete em suas narrativas a  
instabilidade política em que se encontrava o Paraguai. Seus textos revelam a  
diversidade de eventos históricos e transformações sociais que afetaram e  
transformaram vidas no país. Suas narrativas destacam uma crítica ao Estado  
patriarcal, assim como seu discurso literário denuncia instituições que subjugam  
mulheres e homens indígenas, negros e mestiços. Em um universo de saberes culturais,  
subjetividade e tragicidade, sua voz narrativa busca retratar as múltiplas identidades  
que se reconstroem a partir de sua própria voz e em seu próprio contexto espaço-  
temporal.  
No nível da ação, com um realismo reflexivo, Plá representa os sujeitos sob  
diversas perspectivas: são histórias sobre guerra, submissão, assassinato, incesto,  
ignorância, injustiça, prostituição, adultério e miséria. No entanto, observa-se nos  
personagens uma busca pela reconstituição de valores. Nesse sentido, a maioria das  
histórias curtas de Plá são narradas em terceira pessoa, as narrativas incisivas e  
sucintas de Plá apresentam um engajamento com o oral, que nos permite observar um  
rico aproveitamento da diversidade linguística paraguaia, esclarecedora para a  
conformação de um panorama nacional.  
Ligada às circunstâncias sociais e políticas do México, Ángeles Mastretta  
(jornalista, atriz e produtora de cinema), por sua vez, expressa, em seus textos, sua  
criatividade e sensibilidade. Em suas narrativas, busca liberar os gêneros de arquétipos  
construídos ao longo da história. Seus textos são caracterizados por certa autonomia,  
o que nos faz refletir sobre o verdadeiro casulo da vida privada. Tendo o casal como  
ponto central, expõe valores e estratégias da vida familiar e doméstica, que comunica  
crenças, sentimentos e desejos, em um campo discursivo que permite associar o código  
emocional a um conjunto de situações sociais. Suas narrativas destacam sua crítica a  
uma certa vigilância social e um relativo compromisso moral, a uma espécie de  
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referência “nacional” para certos estereótipos do cônjuge, modelo dominante  
conforme as leis e convenções sociais.  
No nível da ação, a maioria das histórias curtas de Mastretta também são  
narradas em terceira pessoa, com um jogo de informação, em um âmbito privado que  
também afeta o público, Mastretta traz histórias eclipsadas, que representam relações  
pessoais, casais que buscam a alegria em um âmbito de desenganos e de recomeços,  
sob uma atmosfera de mudanças. Aqui, homens e mulheres têm a possibilidade de  
entrar na vida pública sob diversas formas, criando, com suas escolhas individuais, a  
possibilidade de recomeços, novos comportamentos e regras morais. O amor não é  
apenas dor, ele é simultaneamente imprevisível e sexual, desprovido de uma  
fidelidade antes exigida pela figura feminina. Sua voz narrativa busca retratar  
diferentes temas em que desejos se misturam com medos, amor com infidelidade,  
raiva com passividade, gozo carnal com abandono, paixão com humor, intrigas com  
graça e riqueza com oportunismo.  
ROMPENDO NORMAS: MASCULINIDADE, RACISMO E ETARISMO EM "LA  
VITROLA”  
Escrito em 1953, o conto La vitrola é narrado em terceira pessoa e tem a história  
oficial como pano de fundo: a narrativa gira em torno dos personagens Delpilar e Cepí,  
pessoas marginalizadas aquelas que não estão documentadas na história. Cepí é um  
rapaz jovem que, ao voltar da Guerra do Chaco, apaixona-se por Delpilar.  
A personagem tinha dez anos quando sua mãe a deixou aos cuidados de seus  
patrões, dona Fausta e o Doutor. Desde então, nunca mais voltou para vê-la. (o  
abandono parental é um dos temas recorrentes nas narrativas de Plá). Dona Fausta  
enviou Delpilar algumas vezes para a escola, mas nunca aprendeu a ler. O que deixava  
a personagem feliz era o fonógrafo de Don Pedro, vizinho do Doutor: ao ouvir o  
fonógrafo, Delpilar entrou em um estado alterado de consciência e não foi mais  
possível arrancar nada dela. Seu sonho era ter um fonógrafo.  
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A narrativa, então, dá um salto. Delpilar estava com 37 anos quando estourou  
a guerra do Chaco, considerada a maior guerra da América do Sul, no século XX (1932-  
1935). Sob as mazelas da guerra, com um discurso patriarcalista e etarista, as  
perspectivas e os personagens escolhidos correspondem a um imaginário de  
destruição e doenças que permite a conexão com a história político-social do Paraguai,  
transmitindo informações e experiências das pessoas.  
Delpilar ocupava uma propriedade precária cedida por dona Fausta e ganhava  
sua vida sozinha, cozinhando, vendendo legumes ou lavando. Ela era negra e magra  
e, conforme o conto, tinha canelas de pássaro e algumas rugas em sua pele ressecada.  
Ela não confiava em nenhum homem, embora não fosse incomum ver alguns  
cortejando-a. Foi no desfile da vitória, que Delpilar conheceu Cipriano, o Cepí, um  
rapaz romântico e generoso, que conquistou a confiança da personagem. Daí por  
diante os dois passaram a viver juntos.  
A felicidade do casal causava inveja. O apoio mútuo fez deles um exemplo  
escandaloso para o bairro. Cepí era um homem jovem, bonito e trabalhador, que  
buscava progredir. Logo após sua união com Delpilar, ele comprou o terreno de dona  
Fausta e começou a construir uma casa. Entende-se, assim, que o casal organiza sua  
vida a partir do lar. Diante da prosperidade dos cônjuges, os vizinhos começaram a  
comentar: “— Mas o que aquela velha Delpilar tem...? os homens se perguntaram.  
O que aquele estúpido do Cepí vai encontrar naquela velha...? as mulheres se  
perguntaram”1 (Plá, 2014, p. 200, tradução nossa). As invídias aumentaram quando  
Cepí realizou o grande sonho de Delpilar: “— Cepí comprou um fonógrafo para  
Delpilar. Agora não se chama fonógrafo, mas sim vitrola. Bem, uma vitrola. —  
Onde você tem isso? Por que você não coloca... ?”2 (Plá, 2014, p. 201, tradução nossa).  
A vida do casal progredia. Cepí era um homem afetuoso, trabalhador e fiel. No  
decorrer das ações, eles tiveram um filho e decidiram formalizar seu matrimônio. A  
1
No original: “—¿Pero qué tendrá esa vieja Delpilar...? se preguntaban los hombres.¿Qué le encontrará a  
esa vieja ese estúpido de Cepí...? se preguntaban las mujeres.”  
2 No original: “—Cepí ha comprado a Delpilar un fonógrafo. No se dice ahora fonógrafo, sino vitrola. Bueno,  
pues una vitrola. ¿Dónde la tiene? —¿Por qué no la pone...?”  
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vizinhança comentava que Delpilar, velha e feia, tinha um filho, enquanto outras  
moças bonitas esperavam em vão por eles. Enfrentando obstáculos e preconceitos,  
Delpilar e Cepí, numa palavra, iam se casar. Isso preencheu a conta.  
Era muito mais do que todos podiam suportar. Todos começaram a  
dar conselhos a Cepí. Sua irmã, que nos últimos tempos havia  
aparecido, ninguém sabia como, estava ali, insatisfeita ao constatar a  
prosperidade que Cepí gozava na companhia daquele “pé-grande”. O  
namorado da irmã. As duas irmãs do namorado. A tia do namorado.  
E até as sobrinhas do namorado, já crescidas, que não perdiam a  
oportunidade de lançar olhares carinhosos para Cepí. Casar com  
essa velha feia, que poderia ser sua mãe! Morar junto, está bem; mas  
casar... Está maluco, Cepí?... O que foi que te mordeu?... Deve  
ter havido um feitiço aqui” (Plá, 2014, p. 202, tradução nossa).  
Diante do trecho, observa-se os sistemas de códigos e referências discursivas,  
os comentários preconceituosos e os estigmas, o olhar acusador de uma sociedade que  
não considera “normal” o casamento entre uma mulher mais velha e um homem mais  
jovem. Dessa forma, segundo salientou Achugar (2006, p.154), a literatura confirma ser  
um espaço habitado e “agenciado” por diversos atores, um sistema de vozes, de  
projetos, de processos, de escritas em uma unidade nacional. Sob essa perspectiva, ao  
fugir dos “padrões”, todos censuraram a decisão de Cepí em formalizar sua união com  
Delpilar.  
Até dona Fausta, de repente, mostrou interesse no futuro de Cepí. “— Delpilar  
é uma velha. Sim, senhora. Você pode casar-se com uma mulher jovem e bonita.  
Sim, senhora. Se você quiser, eu te ajudo a começar um negócio... Mas você tem  
que deixar Delpilar. — Sim, señora”4 (Plá, 2014, p. 202-203, tradução nossa). A maneira  
como Cepí respondeu à Dona Fausta mostra o caráter gentil e sereno do personagem,  
3 No original: “Delpilar y Cepí, en una palabra, se iban a casar. Aquello colmaba la medida. Era mucho más de lo  
que todos podían soportar. Todo el mundo se puso a dar consejos a Cepí. Su hermana, que en los últimos tiempos  
había aparecido, no se sabía cómo, por allí, reconcomiéndose al darse cuenta de la prosperidad que disfrutaba Cepí  
en compañía de aquella «yety pirú». El concubino de la hermana. Las dos hermanas del concubino. La tía del  
concubino. Y hasta las sobrinas del concubino, ya mayorcitas, que no perdían oportunidad de poner ojos dulces a  
Cepí. ¡Casarte con esa vieja fea, que puede ser tu madre! Aconcubinarte, bueno; pero casarte... ¿Estás loco,  
Cepí... ¿Qué picó te dio?... —Acá tiene que haber habido payé.”  
4 No original: “—Delpilar es una vieja. Sí, la señora. Vos podes casarte con una mujer joven, linda. Sí, la  
señora. Si querés, yo te ayudo para que pongas algún negocio... Pero tenés que dejarte de Delpilar. Sí, la  
señora.”  
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permitindo-nos focar nas características sociais e morais da sociedade descrita por Plá:  
uma sociedade hipócrita, que aconselha o personagem a abandonar sua companheira  
e seu filho para recomeçar a vida com uma mulher mais jovem.  
Entretanto, Cepí não está acorrentado e aprisionado a um sistema social de  
padrão primitivo. Observa-se, no personagem, uma ruptura com os modelos  
tradicionais de masculinidade. Então, a única certeza de Cepí era que Delpilar era  
única e especial. A relação dos personagens causava incômodo devido à diferença de  
idade, contudo, a união do casal tornou-se mais forte e marcaram a data do casamento,  
pois queriam consolidar sua felicidade e seu lar, oficializando o matrimônio.  
Quinze dias antes do casamento, porém, Cepí adoeceu. Aparentemente, uma  
pequena gripe. Cepí não queria ir para a cama. Ele tinha que pintar a casa antes do  
casamento. Ficou pior. Em pouco tempo, Cepí não existia mais: “— Lá estava Cepí, de  
terno preto, estendido sobre uma manta no chão. Tiveram que amarrar suas mãos para  
mantê-las cruzadas, devido a seus braços curtos. Por fim, seus olhos estavam fechados  
sob duas moedas reluzentes e ele havia perdido a cor5 (Plá, 2014, p. 203, tradução  
nossa). Delpilar, vestida em um xale preto, voltou à vida de vendedora, agora ainda  
mais precária por causa da criança.  
Pouco a pouco, a personagem foi vendendo tudo, menos a vitrola de Cepí. A  
criança, aos sete meses, ainda não tinha endireitado o pescoço e tinha a cabeça muito  
grande. Delpilar levou-a ao médico: “— Seu filho tem hidrocefalia. O que é isso,  
doutor?... — Água na cabeça”6 (Plá, 2014, p. 204, tradução nossa). Sem recursos, a  
criança ficou mais doente, e além de perder seu companheiro, Delpilar perdeu também  
seu filho. Os vizinhos tinham a esperança de que, após passar o luto, Delpilar poderia  
pôr a vitrola para tocar, mas isso nunca aconteceu. Com a morte de seu filho, ela se  
tornou ainda mais carrancuda e calada. A próxima geração de Cepí e Delpilar já não  
5 No original: “Y allí estaba Cepí con su traje negro, estirado sobre una frazada en el suelo. Le tuvieron que atar  
las manos para mantenerlas cruzadas, a causa de sus brazos tan cortos. Por fin estaban cerrados los ojos bajo sendos  
níqueles relucientes, y había perdido los colores.”  
6 No original: “—Tu criatura tiene hidrocefalia. ¿Qué picó eso, doctor?... —Agua en la cabeza.”  
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existe mais. O desejo da sociedade foi realizado, e Delpilar voltou à sua vida miserável,  
sem atenção e cuidado, sem expectativas ou sonhos.  
O conto La vitrola deslinda um jogo de possibilidades e de impossibilidades, de  
esperanças, sonhos, alegrias, mas também de tristezas, angústias e dor. No entanto, a  
narrativa traz uma possibilidade de mudança: Delpilar e Cepí refletem vários aspectos  
culturais, como a capacidade individual que Cepí tinha de ser um homem bom,  
procriador, provedor e acolhedor, o que lhe garantia a rejeição e resistência dos setores  
mais conservadores da sociedade.  
Nesse cenário, podemos recuperar o que salientou a feminista Carla Akotirene  
(2019, p.24), que afirma que a interseccionalidade permite compreender a fluidez das  
identidades subalternas submetidas aos preconceitos e às opressões estruturantes da  
matriz colonial moderna. Nesse conto, encontramos um panorama complexo da  
percepção da autora sobre os muitos níveis problemáticos em que se encontrava o  
povo paraguaio, permeado por conflitos atravessados pela história cultural e política  
de seus lugares de origem.  
Na sequência da narrativa, um dia, inesperadamente, as metralhadoras  
começaram a ser ouvidas ao longe e, de repente, os soldados passaram pelas ruas.  
Abriram valas e expulsaram os vizinhos. Atordoada, Delpilar teve que ir embora,  
“levando apenas o xale na cabeça, o mate e a lâmpada na mão. Saiu, com o cão logo  
atrás, para pedir abrigo a dona Fausta. A casa estava bem fechada. Ninguém tocaria  
em nada”7 (Plá, 2014, p. 205, tradução nossa). A narrativa enfatiza a herança  
deprimente da guerra: pessimismo, incertezas e pobreza. A personagem, antes envolta  
em uma atmosfera de prosperidade e afeto, agora se vê confrontada com um presente  
caótico e um futuro incerto.  
Após seu retorno, o desespero. As casas foram saqueadas, e sua casa estava  
limpa como nunca; a vitrola havia desaparecido. Desse modo, a narrativa enfatiza as  
7
No original: Delpilar tuvo que irse también, sin llevarse otra cosa que el rebozo sobre la cabeza y el mate y la  
bombilla en la mano. Se fue, el perro pegado a los talones, a pedir hospitalidad a la provecta Doña Fausta. La casa  
quedó bien cerrada. Nadie tocaría nada.  
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ligações entre o espaço do lar e o da nação paraguaia, informando sobre a história da  
época e o cenário cultural, retratando um contexto miserável de homens e de mulheres  
resistindo à guerra, às invasões, às doenças e à morte, sugerindo que a felicidade, a  
beleza e a juventude são transitórias, mas, também, apresenta um rapaz romântico,  
generoso, fiel e provedor, e uma mulher que também representa perseverança,  
determinação e força.  
É assim que a personagem vai em busca de seus direitos, recebendo uma  
indenização pelos bens roubados e passando a viver da quantia recebida. Além disso,  
ela recuperou a vitrola de Cepí, e a partir daí começou a ser visitada regularmente  
pelos sobrinhos dele. Conforme a narração, “— Cepí havia lhe dado muitas coisas”8  
(Plá, 2014, p. 207, tradução nossa). Sob uma atmosfera caótica, sem grandes recursos,  
a casa e a indenização que a personagem recebeu tem uma enorme dimensão.  
É evidente que as personagens caracterizam a serenidade e a determinação em  
um estado de caos: o lar que eles construíram reflete um local de afeto, cuidado e  
proteção. As ações de Cepí apontam para um movimento no sentido da valorização  
da relação com a esposa, a qual implica dedicação, afetividade e compromisso. Para  
tanto, o personagem precisou se mobilizar e eclipsar a sociedade, em seu entorno,  
criando seu próprio mundo ao lado da mulher que escolheu. Nesse sentido, diante de  
uma sociedade desordenada, a narrativa encontra caminhos que viabilizam algo  
positivo: o texto de Plá convida o leitor a repensar representações culturais não  
hegemônicas por meio da releitura do discurso do passado colonial, no qual a imagem  
masculina estava calcada no controle e no poder, e provoca mudanças em nosso olhar  
sobre a identidade, desconstruindo a ideia de que o masculino deve ser sempre  
autoritário e capcioso.  
8 No original: «Cepí le había dado muchas cosas».  
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DESIGUALDADE DE GÊNERO  
E
A
FRIEZA EMOCIONAL DA  
MASCULINIDADE NO CONTO DE MASTRETTA  
É outro o caminho de Mastretta no conto Ver para creer, que, sob um clima de  
traição, dor e tentativa de suicídio, expõe as posições que mulher e homem ocupam  
tanto no âmbito público quanto no âmbito dos afetos. Na esfera dos afetos, está Paula,  
que tinha dezessete anos quando conheceu seu marido. Ele gostava de futebol  
americano, carne e cerveja; ela acreditava que também gostava de futebol, carne e  
cerveja. Ele acordava cedo; ela passou vinte anos de sua vida acordando de  
madrugada. Assistiam ao noticiário na TV e nunca iam ao cinema, porque ele esteve  
por anos muito ocupado. Ele passou de deputado a presidente municipal, a senador e  
ministro em dois governos diferentes.  
Paula sempre parecia feliz. Era uma mulher linda, que colocou toda a sua vida  
nas mãos do marido, o qual, desde muito jovem, se sentia no direito de dirigir o seu  
próprio mundo e também o dos outros. Para Paula, o marido era o mais bonito, o  
mais inteligente e o melhor de todos os homens.  
A narrativa reforça o sistema de gênero, mapeando os espaços: na esfera  
pública, está o marido de Paula, que não tinha tempo, nunca ficava em casa, mal  
olhava para ela, sem notar se estava vestida ou despida, com os cabelos penteados ou  
desgrenhados, feliz ou devastada. Sem o mínimo de respeito com ela, mãe de seus  
filhos, a mulher que o ajudou a crescer profissionalmente, certo dia ele lhe comunicou  
que não a amava mais. Na verdade, que nunca a amara.  
“— Em vinte anos? Por que não lhe contou antes? Paula não conseguia  
acreditar”9 (Mastretta, 2007, p.116). Ele estava apaixonado por uma garota vinte anos  
mais jovem.  
Até que em um dia ruim, ele anunciou que estava indo e foi embora.  
Então Paula provou de tudo. Duas vezes ela tomou um frasco de  
comprimidos e duas vezes os vigilantes do bom nome de seu marido  
lavaram seu estômago e salvaram sua vida. Não havia nada em que  
ela não pensasse, mas alguns pensamentos aterrorizavam: atirar em si,  
9 No original: “¿En veinte años? ¿Por qué no se lo había dicho antes? Paula no lo podía creer.”  
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jogar o corpo do nono andar, descer um barranco, atirar-se na cratera  
de um vulcão, deixar-se congelar até a morte em uma esquina de  
Tijuana, remar para longe e se perder em alguma onda. Qualquer coisa  
poderia ajudar, mas algumas coisas custavam tanto esforço que não  
sentia tristeza o suficientemente para isso (Mastretta, 2007, p. 118-119,  
tradução nossa).  
Constanza, a melhor amiga de Paula, que morava no exterior, ao saber do  
estado da amiga, pegou um voo e foi vê-la. Constanza falou sobre como Paula era  
linda, como o mundo poderia parecer grande, como seus talentos poderiam fazer bem  
e sua paciência ser canalizada para tarefas melhores do que agradar um idiota. “— Ele  
é o pai dos meus filhos. Não te preocupes. O mau comportamento não é genético  
, Constanza disse a ela. — Você educou as crianças, ele só olhava para si”11  
(Mastretta, 2007, p. 120, tradução nossa). Esse trecho mostra a capacidade de Paula de  
cuidar dos outros e de renunciar aos seus interesses, enquanto sua vida estava  
fundamentada na experiência do cuidado e na gestão dos afetos, a do seu marido  
estava ligada à esfera pública e à política, era um pai ausente e egoísta.  
O conto apresenta uma relação assimétrica entre o masculino e o feminino.  
Paula dedicou seu tempo à carreira do marido, concordando com todas as decisões  
dele, para ele viveu e trabalhou, destinando sua vida à educação dos filhos e aos  
afazeres domésticos. Por outro lado, o marido dela (não nominado) se dedicara à sua  
profissão e aos seus interesses: “Ela queria perceber em que momento passaram diante  
dela os anos em que o amor livre foi proclamado e as mulheres decidiram seguir uma  
profissão e um destino que não dependia dos homens”12 (Mastretta, 2007, p. 117,  
tradução nossa).  
10 No original: “Todo hasta el mal día en que él anunció que se iba y se fue. Entonces Paula probó de todo. Dos  
veces tomó un frasco de pastillas y dos veces los vigilantes del buen nombre de su marido le lavaron el estómago  
y le salvaron la vida. No hubo cosa que no se le ocurriera, pero algunas le daban pavor: pegarse un tiro, aventar el  
cuerpo desde un noveno piso, irse por un barranco, tirarse al cráter de un volcán, dejarse morir de frío en una  
esquina de Tijuana, remar lejos y perderse en alguna ola. Lo que fuera podía servir, pero algunas cosas costaban  
tanto esfuerzo que no le daba la tristeza para tanto.”  
11  
No original: “—Es el papá de mis hijos. No te preocupes. No es genético el mal comportamiento le dijo  
Constanza—. A los hijos los educaste tú, él no estaba sino mirándose a sí mismo.”  
12 No original: “Ella quiso darse cuenta a qué horas le pasaron por enfrente los años en que se proclamaba el amor  
libre y las mujeres decidieron hacerse de una profesión y un destino que no dependiera de sus hombres.”  
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Nesse sentido, é evidente que, se para Paula, o sucesso era a prosperidade do  
marido e dos filhos, o marido, por seu turno, após atingir o ápice profissional, não  
consegue compartilhar com a esposa suas conquistas. O sucesso amoroso, para ele,  
estava nas aventuras extraconjugais, e, assim, ele acaba se casando com uma mulher  
mais jovem. Dessa forma, observa-se que o marido se coloca diante da sociedade como  
um homem vigoroso, que tenta manter uma imagem produtiva de sucesso tanto  
âmbito profissional quanto no afetivo e no reprodutivo. Conforme salientou Gilniore  
(1994, p.217-218), antes, os ideais de virilidade obrigavam os homens a superar sua  
inércia e seus medos, tanto no sentido de dissipar energias quanto no de serem  
“eficientes” e “úteis”. Na contemporaneidade, no entanto, todo esse capital de atitudes  
transformou-se em ambição, em uma busca incessante por poder e êxito em todas as  
esferas.  
DE SUBMISSÃO A SUCESSO: A TRANSFORMAÇÃO DA MULHER E A  
MASCULINIDADE EM "VER PARA CREER"  
O conto continua com um salto narrativo. Um ano depois, numa tarde de chuva  
forte e alegria escondida, eles assinaram o divórcio.  
Durante o processo, seu filho mais velho havia se casado, ela havia  
conhecido as vantagens do botox e a futura esposa do quase ex-marido  
deu à luz uma menina. Ele, que nunca se ofereceu para levar a  
mamadeira da cama até a mesinha de cabeceira, agora trocava fraldas  
e não amamentava o bebê porque não tinha leite nos peitos  
(Mastretta, 2007, p. 121, tradução nossa).  
Paula recuperou seu horizonte, aos 43 anos, e se consolidou como a melhor  
estudante de engenharia eletrônica de todo o país. Aos 47, era uma das quatro  
executivas mais importantes de uma empresa especializada em telecomunicações.  
Verifica-se, nesse processo, um descentramento da identidade feminina: Paula, de  
13 No original: “Durante el proceso se había casado su hijo mayor, ella había conocido las ventajas del botox y la  
futura esposa de su casi ex marido parió un hija. Él, que nunca se ofreció ni a cargar la mamila de la cama a la  
mesa de noche, ahora cambiaba pañales y no le daba el pecho a la criatura porque no tenía leche en las tetillas.”  
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mãe, de esposa e de dona de casa, passa a ser uma executiva na área de engenharia,  
corroborando as reflexões de Hall (2006) a respeito da identidade. Segundo esse autor,  
no passado, tínhamos uma identidade fixa e estável, o que significava que a figura  
feminina, enquanto solteira, era propriedade do pai (família de origem), até assumir a  
condição de esposa, quando passava a pertencer ao marido (família onde se integrava),  
numa conformação identitária que apresentava uma visão idealizada do papel de mãe,  
de esposa e de dona de casa.  
As lutas feministas produziram avanços, e o excerto em debate dá ênfase à  
experiência de mulheres como Paula, que podem ter acesso a carreiras profissionais  
com grau relativamente ampliado de autonomia e de remuneração. Sob esse viés, é  
importante enfatizar as interseccionalidades entre os sujeitos: afinal, o divórcio ou a  
separação podem ter sentidos muito distintos para uma mulher de classe média e para  
uma mulher pobre. Basta pensarmos nas diferenças entre a personagem Paula e a  
personagem Rudecinda, do conto Mandiyu, de Josefina Plá, ao ser expulsa de casa,  
encontrava-se em um estado de intensa vulnerabilidade socioeconômica conforme  
Flávia Biroli, “essa vulnerabilidade tende a ser ainda maior quando os casais se  
separam e as mulheres permanecem responsáveis pelos filhos” (Biroli, 2014, p. 55).  
Dessa forma, a autonomia, a remuneração e as experiências das mulheres  
brancas, negras ou indígenas, das mulheres trabalhadoras e daquelas das classes  
médias, são totalmente distintas conforme o contexto social em que estão inseridas.  
Segundo pontuou Showalter (1994, p.43-44), a autocompreensão de nossa história e de  
nossa cultura tem uma significação paralela para nossa especificidade e para nossa  
diferença. Se considerarmos as diferenças e singularidades, podemos avaliar que a  
narrativa de Mastretta revela a importância da educação e da oportunidade: assim  
como a sociedade assegurou aos homens o direto a uma educação formal, à mudança  
e ao recomeço, esse direito também deve ser garantido para as mulheres, em qualquer  
etnia e em todas as classes sociais, não limitando-se, assim, o espaço feminino apenas  
ao âmbito privado.  
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Sob a perspectiva de Showalter (1994), o “território selvagem” — no qual se  
insere o universo literário era quase totalmente dominado por homens. Hoje, a  
escrita feminina busca uma postura e o direito de explicar e de pensar fora do  
patriarcado, como destacou a pesquisadora feminista. Para ela, a escrita das mulheres  
é um “discurso de duas vozes” que personifica sempre as heranças sociais, literárias e  
culturais tanto do silenciado quanto do dominante. Podemos aproximar esse discurso  
de “duas vozes” daquilo que Candido (2006, p.117) chama de “dialética”: moldes  
herdados da tradição europeia que dialogam com uma visão mais ampla de sociedade,  
a qual abarca as diferenças culturais.  
É nesse sentido que, segundo Gerda Lerner, “temos que trocar os cânones que  
estão em nossa cabeça e substituí-los por nós mesmas, por nossas irmãs e por nossas  
anônimas antepassadas. Mostrar-se crítica diante de nosso próprio pensamento que,  
depois de tudo, é um pensamento formado dentro da tradição patriarcal” (Lerner,  
1990, p. 329).  
E ela continua:  
As vozes literárias femininas, que o sistema masculino dominante  
marginalizou e banalizou com êxito, sobreviveram apesar de tudo.  
Estas vozes estão presentes, como uma corrente sólida, na tradição  
oral, nas canções populares, infantis, nos contos que falam de bruxas  
poderosas e fadas boas. Através do ponto do bordado e da criatividade  
artística que se expressou ao longo da história de forma alternativa.  
Nas cartas, diários, orações e canções, a força da criatividade feminina  
gerou símbolos, pulsou e sobreviveu (Lerner, 1990, p. 326, tradução  
nossa).  
Diante disso, temos o direito de reexplicar, de redefinir e reconstruir as  
identidades femininas e de questionar a soberania masculina. Segundo Lerner, nós  
14 No original: “Las voces literarias femeninas, que el sistema masculino dominante marginó y trivializó con éxito,  
sobrevivieron a pesar de todo. Las voces de mujeres anónimas estaban presentes, como una corriente sólida, en la  
tradición oral, las canciones populares y las canciones infantiles, en los cuentos que hablan de brujas poderosas y  
hadas buenas. A través del punto, el bordado y el tejido de colchas la creatividad artística femenina expresó una  
visión alternativa. En las cartas, diarios, oraciones y canciones latía y pervivía la fuerza de la creatividad femenina  
para generar símbolos.”  
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mulheres precisamos adicionar as ideias que transformam o processo de redefinição e  
pensar fora do patriarcado.  
Para isso, ela diz:  
Devemos usar a língua dos patriarcas mesmo que estejamos pensando  
em nos distanciar do patriarcado. Mas esta língua também é nossa, a  
língua das mulheres, assim como a civilização, mesmo que seja  
patriarcal, é também nossa. Devemos reivindicá-la, transformá-la,  
recriá-la e, enquanto o fazemos, transformar o pensamento e a prática,  
para criar, assim, uma linguagem nova, comum e sem gênero (Lerner,  
1990, p. 333, tradução nossa).  
Conforme salientou Showalter (1994, p.39), os buracos no discurso, os espaços  
vazios e as lacunas e os silêncios não são os espaços onde a consciência feminina se  
revela, mas as cortinas de um “cárcere da língua”. Diante dos argumentos das críticas  
feministas, o crítico literário uruguaio Hugo Achugar (2006, p.154) chama esses  
processos de “tempos pós-nacionais”. Para ele, são releituras, reinvenções e  
reinterpretações realizadas a partir do nacional, o que implica em repensar a categoria  
de nação como lugar simbólico de um nós não uniforme, mas inclusivo e respeitoso à  
diversidade.  
Esse lugar simbólico não se constitui um mundo à parte, onde reinam valores  
espirituais, desligados da realidade. Segundo salientaram Arruzza, Bhattacharya e  
Fraser (2019), devemos repensar o nacional a partir de trabalhadoras domésticas; a  
partir das mulheres indígenas, caiçaras, camponesas, ribeirinhas e quilombolas; a  
partir da população urbana que vive em assentamentos precários, os quais em sua  
maioria têm à sua frente mulheres negras; a partir de tantas transexuais e travestis  
assassinadas, a maioria negra, pobre, sem direito à vida. Ainda conforme as autoras:  
Até mesmo porque, mesmo com o fim histórico da colonização, esse  
modelo de “universalidade” persiste. Os grupos sociais que  
assumiram o poder nos processos de independência latino-americanos  
15 No original: “Debemos usar la lengua de los patriarcas aunque estemos pensando en alejarnos del patriarcado.  
Pero esta lengua también es nuestra, la lengua de las mujeres, igual que la civilización, aunque sea patriarcal, es  
también nuestra. Debemos reclamarla, transformarla, recrearla y, mientras lo hacemos, transformar el pensamiento  
y la práctica para crear así un lenguaje nuevo, común y sin género.”  
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representavam, em geral, a minoria branca e proprietária da sociedade.  
Se o regime colonial foi rompido, não houve ruptura com as relações  
coloniais de poder. E por isso nosso feminismo também precisa  
questionar fortemente a concepção universalista de mulher (Arruzza,  
Bhattacharya, Fraser, 2019, p. 14).  
Nesse viés, podemos afirmar que Josefina Plá e Ángeles Mastretta pensam a  
literatura na sua pluralização de vozes. Em Ver para crer, após de restabelecer, Paula  
devolve ao ex-marido cada centavo que custou a casa em que moraram juntos,  
reforçando algo já destacado no conto La vitrola, a casa é um espaço significativo nas  
vidas dessas personagens. Paula passa a ver seu ex-marido como um cavalheiro idoso  
e errante, que estava fazendo papel de bobo ao casar-se com uma mulher 20 anos mais  
jovem.  
Observa-se, aqui, outro aspecto relevante nas questões de gênero, que é sua  
associação ao etarismo. Ou seja, a mesma sociedade que naturaliza a relação de  
homens com mulheres mais jovens condena e crítica mulheres que se relacionam com  
homens mais jovens, como vimos no conto La vitrola.  
CONSIDERAÇÕES FINAIS  
Em nosso movimento analítico, voltamo-nos à leitura dos contos La vitrola e Ver  
para creer, nos quais buscamos identificar as construções subjetivas do masculino e suas  
representações múltiplas a partir dos comportamentos de seus personagens. Em La  
vitrola, de Plá, dialogamos com o personagem Cepí, um homem que não parece estar  
aprisionado em um sistema social de padrão pré-estabelecido. Ao contrário, ele  
representa a possibilidade da serenidade e da determinação em meio a um estado de  
caos. O lar que o personagem ergueu reflete um local de afeto, de cuidado e de  
proteção, e suas ações apontam para uma relação que implica dedicação, afetividade  
e compromisso. Para tal, o personagem precisou se mobilizar e eclipsar a sociedade  
em seu entorno, criando seu próprio mundo ao lado da mulher que escolheu. O conto  
convida o leitor a repensar representações culturais não hegemônicas por meio de  
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releituras de discursos de um passado colonial, no qual a imagem masculina estava  
calcada no discurso do controle e do poder.  
Já o conto ver para crer, de Mastretta, inicia sob um clima de traição, de dor e de  
tentativa de suicídio, expondo as posições que, tanto a mulher quanto o homem,  
ocupam no âmbito público e no âmbito dos afetos. Nesse conto, encontra-se Paula,  
que, aos 17 anos, conheceu seu marido (não nominado), e identificamos nele uma  
imagem da masculinidade tóxica, calcada na falta de emoção e na sede pelo poder. Em  
suma, o estudo contribui para reflexões sobre gênero, poder e representações culturais.  
REFERÊNCIAS  
ACHUGAR, Hugo. Planetas sem boca: escritos efêmeros sobre arte, cultura e  
literatura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.  
AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. São Paulo: Sueli Carneiro: Jandaíra, 2019.  
ARRUZZA, Cinzia; BHATTACHARYA, Tithi; FRASER, Nancy. Feminismo para os  
99%: um manifesto. Tradução Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2019.  
BIROLI, Flávia; MIGUEL, Luis Felipe. Feminismo e política: uma introdução. São  
Paulo: Boitempo, 2014.  
CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. Rio de Janeiro: Ouro sobre azul, 2006.  
CRENSHAW, Kimberle. A Intersecionalidade na Discriminação de Raça e Gênero.  
Cruzamento: raça e  
gênero. Panel 1. 2002. Disponível em:  
nov. 2024.  
GILNIORE, David D. Hacerse hombre: concepciones culturales de la masculinidad.  
Buenos Aires: Paidós, 1994.  
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro:  
DP&A, 2006.  
LENER, Gerda. La creación del patriarcado. Traducción de Mònica Tusell.  
Barcelona: Barcelona Crítica, 1990.  
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MASTRETTA, Ángeles. Maridos. Barcelona: Seix Barral, 2007.  
PLÁ, Josefina. Cuentos completos, I. Asunción: Servilibro, 2014.  
SHOWALTER, Elaine. A crítica feminista no território selvagem. In: HOLLANDA,  
Heloisa Buarque de (org.). Tendências e impasses. O feminismo como crítica da  
cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. p. 23-57.  
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